quinta-feira, 14 de julho de 2011

Um monólogo de dez anos

Monólgo em homenagem e saudação a Saga Harry Potter, e aos que acompanharam-na até o final.


Abril havia chegado calmo e tranquilo, trazendo o que parecia ser os primeiros fluxos do outono. No geral, aquele mês agradou-me consideravelmente.

Foi em uma tarde de quarta-feira, há dez anos, enquanto eu, ainda jovem de mais, distraía-me com algumas peças de montar; os detalhes talvez possam me faltar... mas foi nesse dia que tudo começou.

Meu primo acabara de chegar de um intercâmbio, todo explosivo de felicidade; trazia muitas novidades, as quais me deixavam com o maxilar oscilando. Ele havia passado seis meses em Londres e o fato de estar trazendo coisas novas era incontestável. Aprimeira coisa que me disse foi uma surpresa: “Acho que você vai gostar do que eu vi por lá”.

Fiquei realmente curioso. A euforia era notável. Insisti para que me contasse logo, relatasse o tal fato ou o que quer que fosse que me deixaria satisfeito. Ele disse: “É sobre um menino-bruxo chamado Harry Potter”. Só consegui sorrir e nada mais. De fato, já ouvira aquele nome, era-me familiar.

Se você não fosse tão jovem, lhe daria um livro sobre esse tal Potter” – disse ele.

Não sou tão jovem assim” – rebati – “tenho sete anos!”.

Certo, vou lhe dar o livro”.

E assim fez. Duas semanas depois, ele me enviou um pacote contendo um livro de 263 páginas, lançado no Brasil no dia 1 de janeiro de 2000 – um ano e três meses antes. Rasguei o pacote e dei-me de cara com um garoto magricela, montado em uma vassoura, cruzando um arco de pedra com os dizeres Harry Potter e a Pedra Filosofal. O garoto tinha cabelos rebeldes e usava óculos de armação circular, e bem no meio da testa havia um relâmpago, um raiozinho minúsculo.

Na mesma hora larguei todo o resto e comecei a lê-lo. Os mais velhos assustaram-se ao me ver apegado àquele livro; eu era só uma criança recém-alfabetizada, e já carregava para cima e para baixo um livro de J.K.Rowling.

O tempo que levei para finalizar a leitura, de fato, foi rápido. Cada palavra ali escrita me fascinava. É claro que o vocabulário era rico de mais para minha idade, mas foi de longe um obstáculo.

A primeira personagem que realmente despertou minha admiração foi uma garota muito inteligente de cabelos armados e dentes avantajados. O curioso era que eu não conseguia odiar nenhum ponto marcado naquelas páginas, nem mesmo os “vilões” do livro. Também achei o garoto chamado Harry Potter dotado de um grande nível de coragem, e assim meu apego pela história aumentou gradativamente nos meses que se seguiram.

A maior das surpresas daquele ano chegou até meus ouvidos em uma tarde de domingo, em meados de novembro: iriam lançar o filme baseado na trama de Harry Potter e a Pedra Filosofal no Brasil, e minha cidade apresentaria a franquia, marcada para a próxima semana às vinte horas. Fomos meu pai, um amigo e eu ao cinema. A ansiedade era clara em meus olhos. Em poucos minutos eu iria visualizar tudo que havia lido durante meses.

Por fim, o filme, começou com a melodia de John Willams e a primeira cena já corria. Caramba! Os personagens haviam ficado perfeitos. Harry, Rony, Hermione, Hagrid, Dumbledore... todos na exata forma em que eu os havia imaginado, conservando detalhes mínimos que os deixavam brilhantes. Não preciso dizer que o filme correspondeu plena e totalmente minhas expectativas.

Eu precisava saber mais, tinha de haver outro livro dando continuidade e prosseguimento ao primeiro, e simplesmente eu o queria. Então em dezembro daquele mesmo ano, o mesmo primo que me presenteara com o primeiro livro, trouxe-me também os três volumes seguintes da série. Não aguardei um segundo sequer e já comecei a trabalhar na leitura do segundo livro. O fato de eu estar perplexo e admirado com aquelas páginas era notório. Os livros iam aumentando suas páginas gradativamente ao andar dos volumes.

Mesmo com a pouca idade que tinha, logo percebi que aqueles não eram somente livros de ficção tratando de uma escola de magia. Eram muito complexos, realmente muito trabalhados e empolgantes. Começaram a me ensinar muitas coisas, amadureceram minhas idéias. Era extremamente fascinante acompanhar a trajetória de um garoto que, mesmo sem sua família em essência, conseguiu ser forte e corajoso, encontrando bondade até no mais insignificante dos momentos. Comecei a absorver as entrelinhas de cada capítulo escrito em cada livro; fui aprendendo com personagens que agora já faziam parte da minha rotina.

Na altura em que eu finalizava a leitura de “o Prisioneiro de Azkaban”, no ano de 2002, outra novidade veio explodir minhas entranhas: o lançamento cinematográfico de Harry Potter e a Câmara Secreta. Mais uma vez fui levado aos cinemas para contemplar a direção de Chris Collumbus, que, assim como a primeira produção, foi de deixar qualquer fã louco. Sim, agora eu era um fã irreversível.

Bem, hoje ainda penso: muitos fãs poderiam estar conhecendo aquela grande obra, sentados ali em uma cadeira de cinema. Eu, contudo, conheci os livros antes, tive este privilégio e me orgulho disso.

Quando comecei a leitura de o Cálice de Fogo, logo percebi que este era adornado por uma atmosfera muito mais madura. Talvez fosse pelo fato de que Harry começava a apresentar ligações com a mente de Voldemort, ou pela simples evolução da idade dos personagens que agora tornavam-se maduros sem perder sua essência.

Aquele mundo era tão grande se comparado ao nosso. Realmente era proveniente de uma mente brilhante. Fora criado por uma mulher inteligente que simplesmente trabalhara com afinco para não deixar qualquer decepção entre os fãs. A saga apresentava detalhes mínimos, mas de vital importância para compreender o núcleo da história criada por J.K.Rowling.

Em poucos dias eu finalizei a leitura de 583 páginas do quarto livro. Estava vidrado de forma incomensurável em tudo aquilo. Contudo, desta vez não havia mais livros publicados, então comecei a relê-los em ordem: do primeiro ao quarto... do primeiro ao quarto... os que estavam próximos de mim chamavam-me de louco, mas eu pouco importava, pois esse simples ato de reler os livros já fazia parte do meu cotidiano; eu não iria abandona-lo.

Comecei a encher meu quarto com tudo que consegui reunir sobre aquele universo: revistas, pôsteres, entrevistas com a autora ou com os astros dos filmes, réplicas de artefatos... uma infinidade. Assim comecei a convencer muitos dos que estavam ao meu redor de que aquilo era muito bom (não que precisasse, uma vez que poderiam perceber apenas lendo algum trecho de qualquer um dos livros).

Quando concluí que havia muita matéria em minhas mãos, montei pastas para organiza-las, bem como para guardar meus infinitos desenhos sobre a série e as tantas fotos que agora encontravam-se ali.

Bem, lendo e relendo os livros, do primeiro ao quarto respectivamente, deparei-me com mais uma surpresa que deixou todos os fãs muito ansiosos. Em poucos meses, no ano de 2003, após um longo período sem publicações, ocorreria o lançamento oficial brasileiro de Harry Potter e a Ordem da Fênix – um livro que certamente reuniria várias revelações sobre a saga, uma vez que estava em um tópico avançado e próspero do andamento da história. Eu precisava estar na estréia de lançamento daquele livro; não estivera em outro.

Assim, no ano de 2003, no mês de lançamento, fui até o Rio de Janeiro hospedar-me na casa de uma tia para assim poder estar presente em uma das livrarias da cidade que promoveria o evento do lançamento oficial no Brasil. Cheguei ao local quatro horas antes e já havia uma aglomeração de fãs por ali. Por sorte, consegui espreitar-me e posicionar-me logo na entrada. Assumo que aquelas quatro horas foram quase infinitas, mas quando as portas de vidro daquela livraria se abriram, senti valer cada esforço de espera. Corri para dentro e avistei uma montanha de livros azuis com letreiros prateados, e um Harry muito mais velho na capa do que aquele montado em uma vassoura de a Pedra Filosofal. Apanhei-o e paguei por ele no caixa; saí logo e fui para casa. Eram nada mais, nada menos que 702 páginas de pura agitação e novidade. Era um livro muito maior do que os anteriores, e isso me deixou bastante frenético – assim eu poderia usufruir de mais tempo lendo e adentrando aquelas páginas ricas.

Foi um livro emocionante; uma revelação e tanto para os fãs; um estágio avançado da história. Houve a morte de um personagem muito querido, o que deixou todos um tanto quanto abalados. Ali começou uma guerra verdadeira. Hogwarts, em pouco tempo, já não seria o local aconchegante e protetor de outrora, assim como Harry também teria de enfrentar todo o mal, sendo aquela a única esperança do mundo bruxo. Creio que tenha sido um dos mais chocantes livros de toda a série.

Enquanto o sexto livro não chegava até as livrarias, retomei meu costumeiro ato de ler e reler os livros – agora eram cinco. Ia familiarizando-me com todas as páginas. Havia trechos em que eu poderia citar, sem ter os livros em mão, facilmente.

Um ano após, veio às telas dos cinemas mundiais o terceiro longa metragem da série, trazendo, assim como os anteriores, satisfação e admiração. É claro que apresentava adaptações e cortes, mas estava fantástico. A atuação de Daniel, Rupert e Emma na interpretação do trio principal estava cada vez mais brilhante.

Foi quando me dei conta de que há três anos, enquanto eu brincava com peças de montar, fui apresentado a Harry Potter – O Menino Que Sobreviveu. Mesmo ainda jovem, crescendo com a série fui mudando minha cabeça, aprendendo. Já não era mais uma criança recém-alfabetizada; eu era agora um verdadeiro fã da obra de Joanne Kathleen Rowling.

O interesse pela vida da autora daquela grande obra veio-me em conseqüência. Comecei com simples pesquisas em sites de busca e logo já havia reunido um grande material biográfico. Achei que fosse localizar poucos detalhes, mas a vida de J.K.Rowling já era interesse de grandes escritores e biógrafos, sendo assim havia muito o que ler. A franquia Harry Potter já havia ganhado inúmeros prêmios, e assim mantinha sua linha. Era o maior fenômeno editorial da história da humanidade. Comecei a acompanhar vários fã-sites da série, buscando cada novo rumor ou novidade.

Participei de eventos entre fãs, encontros entre os admiradores da saga. Estar ali era como estar junto de amigos que compartilhavam o mesmo sentimento que você.

No ano de 2005 houve o lançamento de Harry Potter e o Cálice de Fogo nos cinemas, bem como o lançamento do sexto volume dos livros. Eram duas ações positivas em apenas um ano para os fãs de todo o planeta. Em relação ao filme, os comentários não poderiam ter sido melhores. Ralph Fiennes veio para interpretar Lord Voldemort e sua atuação foi perfeita e muito aprovada. O clima do filme foi de tensão e ansiedade. Haviam mudado seriamente a atmosfera da produção, deixando a série mais madura; já em relação ao sexto livro, não tenho palavras. Admirei-o do começo ao fim. Tantas revelações fortes, o passado de Tom Riddle, tudo se encaixando perfeitamente para dar prosseguimento ao final épico da trama. Contudo, neste mesmo livro, eu talvez tenha lido um dos episódios mais dramáticos e chocantes de toda a história: a morte de Dumbledore executada por Snape, ao fim do capítulo vinte e sete.

A questão agora era saber se o homem que Alvo Dumbledore confiara por tanto tempo era um vilão traidor ou não. Confesso que tive raiva de Severo Snape ao ver como fora covarde a derrota do grande guardião de Harry (é claro que tal idéia me seria arrebatada dois anos depois).

Eu continuava lendo e relendo pela ordem dos volumes, e cada vez mais sentia que havia um fã extremo dentro de mim. Não havia um dia em que, conectado à internet, eu não visitava páginas de fã-sites ou blogs relacionados.

Conheci tantas pessoas através de toda essa imensidão... tantos amigos. Na minha própria cidade havia alguns fãs como eu, admirados pelos livros, pelos filmes e pela autora.

No ano de 2007 finalmente ocorreria o lançamento do último e tão esperado livro da série. Todos estavam um tanto quanto empolgados. As maiores capitais globais haviam começado uma grande contagem regressiva. Essa seria a estréia que, de forma alguma, seria simples. Seria explosiva e abrasadora, e eu, mais uma vez, estaria lá para, assim como tantos outros, apanhar meu exemplar. Todos sabiam que aquele seria um dos melhores livros. Seria o confronto final entre Harry e Voldemort. A busca pelas horcruxes seria voraz e com certeza adornada por obstáculos. Sob outros aspectos, seria o “fim” da história que eu acompanhara por seis anos.

Os programas de publicidade e marketing para o lançamento do sétimo livro eram infinitos. E vale lembrar que depois de dez anos da primeira publicação de a Pedra Filosofal, o sétimo volume conservaria um evento de grande porte.

No dia 23 de junho de 2007, lá estava eu novamente em frente a mesma livraria do Rio de Janeiro. Havia muitas pessoas ali, um verdadeiro contingente. Os espaços estavam apinhados, e um repórter que comandava o evento acompanhou-nos na regressão dos últimos trinta segundos. Bem na frente de todos os fãs ali presentes, havia um grande telão televisionando ao vivo o mesmo evento direto de Londres, no Museu Municipal. Estávamos vidrados naquela tela: quando o regressor de tempo marcou zero, J.K.Rowling sentou-se junto a 120.000 pessoas, direto da capital inglesa, abriu o livro e leu o primeiro capítulo para o mundo todo. Posso dizer que, em meus dias de fã, foi o momento mais feliz que consegui presenciar; finalmente o último livro fora lançado e eu o teria em poucos minutos.

Quando Jô terminou a leitura, todos aplaudiram muito. Fiquei imaginando quantas palmas estariam fazendo barulho de aprovação em todo o planeta. Até hoje não consigo explicar com exatidão o que senti naquele momento – se as lágrimas forem uma explicação, então eu as tenho em abundância. Soube de tudo que precisava saber durante anos. De certa forma, os fãs pareciam mais unidos agora do que nunca.

Já sabíamos de todo o final. Só nos restava esperar pelos próximos filmes, que iriam nos confortar nesse “final”. Neste mesmo ano, Harry Potter e a Ordem da Fênix chegou às telonas no dia 11 de junho. Foi um filme fantástico, mesmo apresentando um número grande cortes e adaptações. Então eu esperava cada vez mais...

Em meio aos intervalos de toda a trajetória com a saga, li também, muitas vezes, a biografia de J.K.Rowling, escrita por Sean Smith, o que impulsionou ainda mais meu fanatismo pela autora. Joanne batalhara muito para chegar ao ápice. Hoje é tida como uma das mulheres mais influentes do mundo pela resultado dos livros. Li outros três livros-tema do mundo Harry Potter: Quadribol através dos séculos; Animais fantásticos e onde habitam; e Os Contos de Beedle, O Bardo.

O mercado editrial lançava cada vez mais produtos para os fãs colecionadores, como almanaques, artefatos, entre outros; na medida do possível, eu os adquiria. Comprei também alguns dos livros da coleção britânica oficial, publicados pela Bloomsbury, e um volume norte-americano, publicado pela Scholastic.

O tempo foi passando e com ele veio o lançamento do sexto e sétimo filmes, sendo este último dividido em duas partes. Ambos executaram grande felicidade na população pottermaníaca com suas grandes qualidades de emoção.

Hoje, estando apenas a algumas horas da estréia mundial da última parte de Harry Potter e as Relíquias da Morte, consigo olhar para trás e dizer: foram os anos mais felizes de minha vida. Creio que decidi escrever este monólogo antes do momento tão esperado para que, todas as vezes em que eu o ler, possa estar imaginando que a estréia ainda não chegou.

Vocês, fãs como eu, sabem que esse texto é apenas um resumo simples e básico de todos os grandes momentos que compartilhamos com a série criada por J.K.Rowling. Eu poderia ficar aqui durante eras geológicas e o tempo ainda não seria suficiente para expressar minha emoção. Cresci com tudo isso, foram dez anos de pura alegria e aprendizagem, lidando com coragem, amizade e amor.

Lembrem-se que nada irá acabar no dia 15 de julho de 2011... é apenas o começo de muitas lembranças que certamente nunca caberiam em uma penseira e nunca poderiam ser lembradas com apenas um lembrol.

Hoje, vendo os vídeos, filmes, e relembrando de tantos momentos, o que não me faltaram foram lágrimas escorrendo pelo rosto. Concluí que todos são os dias da estréia; podemos faze-la em qualquer que for o motivo, em qualquer dia. É só abrir o primeiro livro e lê-lo pela primeira vez. Ainda temos uns aos outros, e o que nos liga é muito mais forte que qualquer outro sentimento. E foi muito bom estar com vocês.

Obrigado, J.K.Rowling; Obrigado, Menino Que Sobreviveu. Vocês fizeram de nossas vidas um mundo fantástico sem igual

sábado, 7 de maio de 2011

beatriz

Beatriz não cansava de colher as flores, mesmo que estas estivessem secas, mortas.
Beatriz encontrava vida naqueles ápices de vegetais. Como podia?
Nas manhãs belas, ressalvas da noite úmida, ela sempre corria até o jardim, coberto pelo orvalho, e já ia logo acariciando as pétalas molhadas - ora coloridas, ora mortas e secas. Mamãe gritava: o café ja estava posto e Beatriz nem sequer lavara os olhos, tampouco fora dar beijos afetuosos na vovó Mercedes.
Vinha trazendo várias margaridas e hortências; rosas e tulipas. Punha-nas dentro de um vaso e sentava-se ao lado para realizar seus tantos meios.
Por que era assim, a Beatriz? Por que gostava tanto de flores?
Beatriz me disse que gostava delas pelo simples fato de simbolizarem etapas...
Não entendi muito bem, mas quando Beatriz escreveu sobre flores na escola, ganhou nota máxima em redação. Enquanto eu, que escrevi sobre robôs e máquinas, tirei a pior das notas e frustrei meu professor - que até hoje vive dirigindo-se à mim, mencionando Beatriz de uma forma sutil.


Rafael Villas Boas

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Coringa

Céus! Ele foi se aproximando tão depressa, que a pobre mal teve tempo de correr; não foi o que fez.
O gingado do homem-manequim era perfeito, quase desfilava. Seu rosto pintado, ora preto, ora branco, com cílios enormes, e na cabeça chapéu de bubão. Palhaço!
Veio vindo. Veio. Chegou perto, olhou-a com cautela planejada, sentiu seu cheiro adocicado, tocou-lhe os lábios e soltou gargalhadas sutís.
A moça, assustada, recuou, sobressaltou em movimentos singulares, e o Coringa a sua frente continuou rindo, festejando abobado. Deu-lhe rosas. Mas a palerma não aceitou; chorou.
O coringa disse-lhe versos, contou-lhe o amor... contou-lhe o amor? A moça chorona caiu feito pássaro em armadilha: beijou o coringa.
Foram indo de mãos dadas até uma ponte, perto da charneca. O coringa desapareceu, deixou-a ali sem ter o que fazer e saiu à procura de mais alguma bobinha que caísse em suas graças.


Rafael Villas Boas

domingo, 3 de abril de 2011

Frutas negras

- Está vendo como estão brilhantes?
- Do que é que você está falando?
- Lá! - e apontou as jabuticabas.
- E daí? Jabuticabas brilhantes, legal...
- Não é possível que você não sabe do que eu estou falando! - dessa vez ele fazia gestos frenéticos com as mãos.
- Não, não sei do que vc está falando. E será que você podia parar com isso? Já era para estarmos em casa. Não quero ter que martirizar meus joelhos outra vez.- disse Ana em um tom desdenhoso.
- Mas, Ana, olhe aquelas jabuticabas e me diga o que você vê.
- Moleque atrevido! São só jabuticabas, normais, como quaisquer outras.
- Não, não são - retorquiu Pedro.
- Ah é? Então me diga o que têm de mais, as jabuticabas...
- Elas têm um portal, cada uma. Eles nos levam para um mundo extraordinário.
- Você anda imaginando muitas coisas demais. Já devia ter amadurecido essas ideias. Você não é mais tão criança assim.
- E você devia acreditar mais em mim. Como sendo mais velha, deve saber que crianças da minha idade não mentem. - disse-lhe, amarrando a voz - . Já que é tão velha, como assim diz.
- Você é muito atrevido. Não devia dizer essas coisas à sua irmã mais velha.
- Fique só por mais alguns minutos. Até que você consiga enxergar os portais das jabuticabas.
- Não! Tenho que levar-lhe ao casarão no horário delimitado. Já esqueceu da surra de vara? Não queira levá-la outra vez - disse em tom desesperado - Mesmo porque mamãe não é de brincadeiras.
- Mas e as jabuticabas?
- Pedro!
- Ana!
- Olhe, va lá, mostre-me essas jabuticabas, portais, seja lá o que for!
O menino foi se esquivando dos pequenos gravetos no chão. A grama alta o impedia de correr com mais velocidade. Pegou um graveto do chão, apontou-o em direção às jabuticabas do pé e chamou a irmã:
- Venha! Veja!
Ana dirigiu-se ao pé das frutinhas negras e ficou plantada ali olhando.
- Não estou vendo nada!
Olhou para os lados e o irmão ja corria a muitos metros a frente.
- Pedro!

E o menino subiu a encruzilhada rindo, fazendo fuscas de zombaria.


Rafael Villas Boas

domingo, 20 de março de 2011

Nos tempos da Coroa.

As extenções de café da fazenda eram as maiores da região da província. Todos os anos as colheitas eram das mais produtivas. Rendiam-se muitos réis sob o chão, movido e tratado por milhares de negros, trabalhando de forma compulsória. Nenhum fazendeiro retinha tantos lucros quanto meu pai, nem de longe...
Tínhamos, mais ou menos, dois terços da renda negreira vista por ali; uma verdadeira população escrava vivendo em nosso latifúndio.
Meu pai vivia dizendo que tocava a economia da fazenda afã de mim e minha mãe; o que me intrigava era que, para ele, nada mais importava se não o desejo de tornar-se cada vez maior e mais poderoso. Havia mês que eu não o via, visto que sempre estava viajando a negócios. A Inglaterra já se tornara seu ponto de passeio; vivia buscando novas formas de comercialização em outros países, até mesmo no território da coroa.
Ficávamos em casa, minha mãe, a Mucama, um negrinho - que apelidávamos de Torim - e eu. Os negros que viviam na Casa Grande só estavam ali por ordens de meu pai, se não as tivesse o feitor jamais permitiria na ausência do senhor.
Mas ainda havia muitos atos que a mim desagradavam: negros eram surrados por ali, açoitados até a morte; comiam mal, dormiam de forma péssima, sequer poderiam chamar de lar o local em que viviam. Os privilegiados eram só a Mucama, que cosia, costurava e era o braço direito de minha mãe, e o danado do Torim, que odiava meu pai de forma decidida.
Certa vez quase foi para o tronco, com outros seis escravos, o Torim, que afrontara o feitor corajosamente. Minha mãe interviu, competente, e nada aconteceu.
É certo que eu jamais quero seguir os negócios de meu pai. Não quero ser senhor de ninguém, bem como ser o mandante de surras e açoitamentos. Se fazendeiro for, então serei da minha forma. Pagarei pelos serviços prestados, contratarei trabalhadores que recebam pelo seu esforço.
Em tempos como estes, meus ideais são repulsivos, doravente farei o possível para reformar nossa política.
Ainda haverá o dia em que muitos irão se alegrar com a abolição da escravatura, que, assim espero, logo virá.



Rafael Villas Boas

sábado, 19 de março de 2011

All was well


The scar had not pained Harry for nineteen years. All was well.

terça-feira, 1 de março de 2011

Desabafos de Thomas / 2

Londres, 18 de fevereiro de 2011

Mãe,

é com grande pesar que lhe escrevo. As coisas por aqui têm estado um tanto remotas com sua ausência. Desde o dia em que você saiu, não consegui me virar aqui em casa.

O telefone não me descansa um segundo sequer; seus clientes ligam a intervalos regulares, ansiando por notícias – é claro que não disse a eles que você me abandonou. Seria no mínimo anti-ético.

Não consigo, ao menos, preparar meu café da manhã, e por vezes a fome me coroe durante horas, mas isso não vem ao caso, não quero preocupá-la. Não me importo que meus pães sempre queimem na sanduicheira ou que o suco que preparo mais parece uma água doce colorida, pois o que realmente me faz falta é você.

Ah, já ia me esquecendo: Gerard, o nosso cãozinho, está dormindo no tapete da sala de visitas. Achei que não haveria problemas, uma vez que o pobrezinho arranhava a porta desesperadamente, querendo entrar.

Briguei na escola. A professora me repreendeu severamente e me suspendeu por três dias, não é o máximo?

A cada dia que passa, risco um número no calendário, assim posso contar os minutos para sua chegada.

Bem, espero que não tenha lhe deixado aborrecida ou preocupada. Peço que aproveite ao máximo seus últimos dias de férias.

Já contei que aquela sua coleção de jarras escocesas quebrou? Mas deixa isso pra lá, quando você chegar a gente conversa.



Thomas Harrison
( Rafael Villas Boas)