domingo, 20 de março de 2011

Nos tempos da Coroa.

As extenções de café da fazenda eram as maiores da região da província. Todos os anos as colheitas eram das mais produtivas. Rendiam-se muitos réis sob o chão, movido e tratado por milhares de negros, trabalhando de forma compulsória. Nenhum fazendeiro retinha tantos lucros quanto meu pai, nem de longe...
Tínhamos, mais ou menos, dois terços da renda negreira vista por ali; uma verdadeira população escrava vivendo em nosso latifúndio.
Meu pai vivia dizendo que tocava a economia da fazenda afã de mim e minha mãe; o que me intrigava era que, para ele, nada mais importava se não o desejo de tornar-se cada vez maior e mais poderoso. Havia mês que eu não o via, visto que sempre estava viajando a negócios. A Inglaterra já se tornara seu ponto de passeio; vivia buscando novas formas de comercialização em outros países, até mesmo no território da coroa.
Ficávamos em casa, minha mãe, a Mucama, um negrinho - que apelidávamos de Torim - e eu. Os negros que viviam na Casa Grande só estavam ali por ordens de meu pai, se não as tivesse o feitor jamais permitiria na ausência do senhor.
Mas ainda havia muitos atos que a mim desagradavam: negros eram surrados por ali, açoitados até a morte; comiam mal, dormiam de forma péssima, sequer poderiam chamar de lar o local em que viviam. Os privilegiados eram só a Mucama, que cosia, costurava e era o braço direito de minha mãe, e o danado do Torim, que odiava meu pai de forma decidida.
Certa vez quase foi para o tronco, com outros seis escravos, o Torim, que afrontara o feitor corajosamente. Minha mãe interviu, competente, e nada aconteceu.
É certo que eu jamais quero seguir os negócios de meu pai. Não quero ser senhor de ninguém, bem como ser o mandante de surras e açoitamentos. Se fazendeiro for, então serei da minha forma. Pagarei pelos serviços prestados, contratarei trabalhadores que recebam pelo seu esforço.
Em tempos como estes, meus ideais são repulsivos, doravente farei o possível para reformar nossa política.
Ainda haverá o dia em que muitos irão se alegrar com a abolição da escravatura, que, assim espero, logo virá.



Rafael Villas Boas

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